Quando
éramos crianças, nas férias de Julho meu pai e
minha mãe passavam dias preparando as malas,
comprando presentes, fazendo a manutenção do
fusca... e alguns dias depois lá estávamos nós na
estrada, rumo ao norte de Minas Gerais. Já
próximos de nosso destino, enfrentávamos
aproximadamente 100km de estrada de terra. Para
mim, era a melhor parte da viagem, eram
quilômetros e quilômetros de imensas matas
virgens, rios, lagos, vez ou outra, animais
cruzavam a estrada. Dependendo do horário
poderíamos cruzar com cachorros do mato, veados,
emas... ao céu, gaviões em movimentos circulares
em busca de presas, araras, papagaios e pássaros
de todas as cores. Chegando na fazenda de meus
avós, uma bela floresta tinha inicio há poucos
metros da sede. Era perigoso devido aos animais
selvagens (inclusive onças), às cobras, aos
arbustos repletos de espinhos e outros. Mas assim
que os adultos se distraiam, lá estava eu no meio
do mato a admirar a natureza, sentir o cheiro do
mato, ficando quietinho atrás de uma árvore a
admirar um grupo de sagüis... Hoje, as imensas
matas virgens sumiram, a fazenda de meus avós é
uma terra com pasto mal cuidado, com vários pontos
de erosão e áreas em avançado processo de
desertificação. Os cachorros do mato sumiram, as
emas ninguém sabe onde estão, sem as matas para se
esconderem os veados foram caçados até não sobrar
um único exemplar. E onde está a cantoria dos
pássaros... O que causou esta drástica mudança? A
ganância, o imediatismo, a falta de fiscalização
por parte dos órgãos governamentais e a falta de
consciência e respeito para com o meio ambiente. O
povo da região, sem oportunidades de trabalho, sem
perspectivas de dias melhores, sem consciência
ecológica e sem pensar no futuro de suas famílias,
futuras gerações e mesmo de si próprios, cederam a
cobiça e a conversa fácil dos carvoeiros (homens
que arrendam florestas, constroem uma infinidade
de fornos de barro, e em uma velocidade
fantástica, transformam maravilhosas florestas em
inúmeras cargas de carvão). Como o povo da região
não perderia a terra, apenas a cederia por algum
tempo, não teria o menor trabalho, pois toda a mão
de obra ficava a cargo dos carvoeiros, e ainda
ganhavam algum dinheiro, muita gente “vendeu” suas
matas. Hoje, ainda persiste o desmatamento do
pouco que resta, a maioria dos carvoeiros foram
embora, pois agora quem produz o carvão são os
próprios proprietários. Estes constroem os fornos,
compram as moto-serra, contratam trabalhadores e
vão tornando a região cada vez mais desoladora.
Nas estradas de terra, caminhões com cargas que
superam e muito sua capacidade, trafegam com certa
dificuldade. Vez ou outra um caminhão tomba devido
ao excesso de peso e as condições da estrada.
Mesmo assim o vai e vem dos caminhões continua...
Estes procuram trafegar à noite em caminhos
alternativos para fugir da fiscalização. E para
onde vão? Para indústrias da região que usam o
carvão vegetal como energia.
Como acabar com tudo isto? Como
salvar o pouco que ainda resta das matas e os
poucos animais que ainda lá vivem? Prender os
proprietários das terras? Os carvoeiros? Os
motoristas dos caminhões? Ou será que seria melhor
ir até a origem do problema? Se há o desmatamento,
se os fornos continuam a queimar as matas, se
persiste os caminhões de lá para cá com as cargas
de carvão, é porque existe comprador. E
compradores que sabem o que estão comprando. Se é
difícil fiscalizar os proprietários de terra, se a
fiscalização não possui homens suficientes para
evitar que os caminhões continuem a circular por
caminhos alternativos, por outro lado é fácil
fiscalizar as industrias que utilizam tal matéria
prima, pois não são tantas assim... Então o que os
órgãos governamentais esperam para desativar tais
industrias? Sim desativar, porque multas não
seriam suficientes para repararem a destruição que
incentivaram e continuam a incentivar. Sem
compradores, as moto-serra irão parar, os fornos
serão desativados, os caminhões irão parar de
circular, e quem sabe... poderemos voltar a ver um
cachorro do mato atravessar a estrada, e no alto um
gavião em busca de suas presas que aos poucos
reaparecerão.
É certo que caminhoneiros,
ajudantes, operadores de moto-serra, funcionários
das indústrias e até os
proprietários das terras, perderão uma de suas
fontes de renda, e em alguns casos, a única. Porém
não será cometendo erros que resolveremos os
problemas de tais regiões. Cabe ao poder público,
iniciativa privada e mesmo das populações locais,
a procura por fontes de renda que respeitem o meio
ambiente e lhes traga condições dignas de
sobrevivência.
Autor:
Almir Pascale
Cardoso
- Cronista, formado em administração de
empresas. -
almirpascale@ig.com.br
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