Morei por 03
anos no centro de S. Paulo, e presenciei
diariamente fatos do dia-a-dia de inúmeras
crianças. Ora alguns pedindo esmolas, ora em grupo
assaltando, arrancando antenas de automóveis nos
semáforos para fazerem cachimbos de crack,
caminhando tranqüilamente enquanto cheiravam cola
em saquinhos plásticos...
Às vezes, circulando pelas
ruas, presenciava crianças ainda sob o efeito das
drogas, dormindo no chão, sem um cobertor, papelão
ou qualquer outra coisa, literalmente no chão.
Isto algumas vezes às 10h da manhã, debaixo de um
sol escaldante. Algumas vezes vi um senhor de
terno, aparentando mais de 60 anos, tentando
acordar as crianças e incentivando-as a se
levantarem. Como não tinha êxito, colocava a mão
no bolso, pegava uma cédula de R$ 1,00, e dizia
que daria o dinheiro para quem se levantasse.
Algumas vezes conseguia...
Algumas crianças aparentavam
ter no máximo 08 anos, via-se meninas grávidas,
outras aparentando desnutrição e até doenças...
Ao que dava para perceber,
estas crianças não estavam acompanhadas de
adultos, pois dificilmente via algum próximo à
elas, e mais, elas preferiam pedir esmolas à
roubar, até porque, mesmo em grupo, muitas vezes
estavam em desvantagem devido ao tamanho e de, não
maioria das vezes não portarem armas. Via algumas
vezes, já à noite, alguns indo até um mercado, não
para roubar, mas com os trocados que conseguiram
durante o dia, comprar alguns pacotes de macarrão
instantâneo. Os quais colocavam em latinhas com
água e cozinhavam em pequenas e improvisadas
fogueiras.
Crianças convivendo sem a
presença de adultos que as orientem, vivendo em um
mundo de drogas, assalto, violência, fome...
crianças sem sonhos, crianças sem esperança...
Há alguns dias atrás, fui a
trabalho para o centro de São Paulo, e pude
verificar que nada mudou, crianças dormindo no
chão, outras sentadas na calçada cheirando cola,
uma menina de no máximo 12 anos com uma barriga
imensa... aparentando estar prestes à dar a luz à
outra criança. Uma criança dando a luz à outra...
Perguntei a mim mesmo... estas
crianças tem o direito e a capacidade de decidirem
o que é melhor para elas? O correto não seria,
após identificarmos que não haja a possibilidade
de retornarem às suas famílias (se é que possuem),
de encaminharmos para um local especializado? Algo
totalmente diferente de tudo que temos hoje, um
internato (que de início não teria a opção de
liberdade), um local que recuperasse fisicamente
estas crianças, que lhes educassem, que lhes
preparassem para um futuro melhor, ensinassem um
oficio, e principalmente, um acompanhamento
psicológico de forma individualizada, com
tratamentos visando recuperar o amor próprio, a
dignidade, o respeito para com seus semelhantes e
esperança de dias melhores. Seria diferente,
porque seria uma espécie de mutirão para salvar
estas crianças. Um mutirão envolvendo os órgãos
governamentais, iniciativa privada, igrejas,
mídia, estudantes e voluntários diversos. O local
obrigatoriamente deveria ser agradável, ao ponto,
das crianças gostarem de ficar lá, de não sentirem
saudade das ruas... Aos poucos, conforme a
evolução de cada um, voltariam a ter uma liberdade
assistida, mas obrigatoriamente voltando todas as
noites para o local. Quando completassem 18 anos,
o governo e iniciativa privada se encarregariam de
lhes arrumar emprego (pois estariam preparados
para exercerem diversas atividades) e de lhes
fornecer abrigo e alimentação até que tivessem
condições de “ andarem com suas próprias pernas “.
É apenas uma idéia, assim como devem existir
muitas outras na cabeça de várias pessoas que
caminham pelo centro de São Paulo, ou mesmo em
outros bairros, outras cidades e outros estados.
Mas a idéia precisa sair de nossas cabeças e se
transformarem em ações. Caso contrário,
continuaremos a ter crianças sem sonho... crianças
sem esperança... e crianças com um provável futuro
que já imaginamos qual será...
Autor:
Almir Pascale
Cardoso
- Cronista, formado em administração de
empresas. -
almir.pascale@hotmail.com
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