CRÍTICA - PRIMO BASÍLIO:
O que faz de um filme
inovador é seu caráter de quebrar as regras, de
fazer algo tão inesperado pelo público em tons
técnicos e narrativos que fica para as próximas
gerações como uma eterna fonte de inspiração e
influência.
Quando se entra no cinema para ver “Primo Basílio”
não se espera isso, mas ao seu final é fácil
perceber que você acabou de participar da história
do cinema, com novos conceitos tendo sido criados
bem diante de seus olhos.
Daniel Filho, O Diretor, resolve mais uma vez
transpor as barreiras do cinema ao adaptar a obra de
Eça de Queiroz. A história é sobre uma mulher que
tem seu casamento abalado quando reencontra o
ex-namorado e primo Basílio e acaba tendo um tórrido
caso extraconjugal com ele, mas que acaba caindo nas
mãos da empregada que ao descobrir uma de suas
cartas de amor começa a chantageá-la, tornando sua
vida um inferno.
O roteiro escrito por Euclydes Marinho transporta a
ação do final do século XIX em Lisboa para o final
dos anos 50 em São Paulo, e ousa em fazer uma
história muito mais simplória, deixando para traz
toda possibilidade de recriar uma sociedade como o
livro o faz, optando por simplesmente se fechar na
história principal, esquecendo toda e qualquer
nuance que fez do livro um clássico, para assim não
criar um filme enfadonho e rico em detalhes e
retratos de uma época, coisa que perigosamente
poderia aumentar a duração do filme, e deixar muito
tempo o espectador no cinema.
E tempo talvez seja a principal palavra do filme,
tal qual Daniel Filho transgride toda percepção
desse fator ao não apresentar nenhuma passagem de
tempo, só escorregando no final mostrando a luz do
dia entrando pelo quarto da personagem principal
enquanto ela se recobra de uma doença.
O diretor ainda inova em não apresentar nenhum plano
de transição, ninguém entra em nenhum quarto, nem
sai de nenhum lugar, economizando todo e qualquer
tempo que poderia ser perdido (e esses anos todos é
repetido exaustivamente no cinema mundial) ao
mostrar os personagens, por exemplo, saindo do
teatro e chegando em casa, coisa que é muito mais
impactante se uma cena for seguida da outra,
mostrando que provavelmente o teatro era bem perto
da casa deles.
Ainda nesse assunto, é bom reiterar que a casa deles
é bem perto de tudo, já que em outro momento a
impressão que se tem é que a personagem entra no
carro e nem anda com ele para chegar no esconderijo
de seu amante, ou ainda mostrando a rapidez do
carro.
Pode-se até pensar que tal criatividade tenha vindo
da mente da montadora Diana Vasconcelos, mas
provavelmente tais possibilidades como carros
andando na rua, entradas em quartos e qualquer outra
cena desse tipo nem tivesse sido filmada para não
possibilitar uma edição comum.
É preciso lembrar que todo estilo visual que Daniel
Filho vem angariando em todos esses anos estão
presentes, os sempre bem usados recursos de plano e
contra-plano em todos os diálogos, os closes de
encher a tela do cinema com um olho e um nariz, o
uso sempre de um obstáculo em primeiro plano para
situar a profundidade da cena e a quase ausência de
externas (meia dúzia no máximo) que pelo menos não
atrapalham o espectador com qualquer tipo de imagem
para situá-los em uma cidade desnecessária.
Daniel Filho ainda se mostra transgressor no uso de
gruas, principalmente para mostrar a casa onde a
ação acontece, recorrendo à cena incessantemente,
criando um estilo de repetição nunca antes usado.
Ele ainda usa a mesma grua para fazer um plano longo
do tal esconderijo, com tantas nuances que dá um
passo a mais no legado deixado por Robert Altman e
seus planos seqüenciais, logicamente esse plano
longo é usado mais de uma vez para impor esse novo
estilo.
Mas não se pode esquecer do enquadramento dos
personagens escrevendo em uma escrivaninha, que além
de ser repetido umas três vezes, faz qualquer um
lembrar dos tempos de primário onde se tirava aquela
fotinho sentado à mesa com a bandeira do Brasil ao
seu lado, te jogando ainda mais dentro do filme.
Mas não é só de inovações na direção que o filme
resiste, no campo das atuações, Tanto Débora
Fallabela, como Luísa, a personagem principal,
quanto Gloria Pires, por trás empregada e todo resto
do elenco, elevam o modo de se fazer cinema a outro
grau, fingindo péssimas atuações para não desviar a
atenção da história, prestem atenção em Gloria
Pires, que quando fica nervosa ou brava, sai do
personagem, perde o jeito que ele falava e
transcende a linha entre o real e o imaginário, sem
esquecer o ataque final de Débora Falabella dentro
de seu quarto, que impõe um tom de comédia
necessário para descontrair ao final do filme.
Resumindo, “Primo Basílio” é um filme tão técnica e
narrativamente completo e novo, que se mostra à
prova de qualquer ironia e sarcasmo que se possa
tentar fazer... ou não.
Ficha Técnica Título Original: Primo Basílio Gênero: Drama Ano: Brasil - 2007 Distribuidora: Buena Vista International Direção: Daniel Filho Roteiro: Euclydes Marinho, com colaboração de
Rafael Dragaud, baseado em adaptação de Daniel Filho
e Euclydes Marinho de romance de Eça de Queiroz Produção: Daniel Filho Site Oficial:
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