Sem medo de errar
CRÍTICA: EU, VOCÊ E TODOS NÓS - Miranda July
imprime leveza em todos os aspectos de seu primeiro
filme, mesmo naqueles mais melancólicos. Com domínio
e expressividade, a diretora - também artista
plástica e videomaker - faz de “Eu, Você e Todos
Nós” um verdadeiro poema do cotidiano, cujo cerne é
o ser humano em sua eterna busca por um
interlocutor. Porém, o que está em jogo aqui não é
apenas o encontro com o outro, mas todas as
implicações decorrentes desse processo; em especial,
a dificuldade inerente ao homem de criar e manter
relacionamentos. Premiado em várias partes do mundo,
o longa-metragem rendeu à cineasta a Câmera de Ouro
no Festival de Cannes de 2005, além do
reconhecimento anterior no Festival de Sundance -
saldo nada negativo para uma estreante.
“Eu, Você e Todos Nós” poderia ser facilmente
catalogado como mais uma produção do cinema
independente norte-americano que usa (e abusa) de
velhas fórmulas em sua narrativa, entre elas o
cruzamento de várias histórias, o uso de metáforas
visuais, falas inteligentes e o apelo às referências
contemporâneas, como a comunicação via internet
(somada à precoce educação digital). Entretanto,
Miranda transpõe a barreira do óbvio e direciona sua
câmera com interesse para cada fragmento de vida,
fator que torna ilegítima qualquer tentativa de
rotular o filme. Todos os personagens são retratados
de maneira positiva, propositalmente sem apresentar
muita densidade dramática; apenas esboços de pessoas
simples que convivem com seus conflitos interiores.
Uma escolha arriscada por sua superficialidade, mas
que, no final das contas, dá certo no conjunto da
obra.
O enredo possui um núcleo e várias ramificações.
Christine Jesperson (a própria July) é uma artista
multimídia que sonha com exposições no museu de arte
contemporânea da cidade, mas sobrevive dirigindo um
táxi para idosos. Quando acompanha seu cliente a uma
sapataria, se apaixona por Richard (John Hawkes),
vendedor da loja. Este também demonstra interesse
pela doce Christine, porém hesita em atraí-la para a
sua vida de pai recém-separado. Em outra ponta estão
Peter (Miles Thompson), de 14 anos, e seu irmão
Robby (Brandon Ratcliff), com apenas sete, ambos
filhos de Richard. Enquanto o mais novo engata um
relacionamento pela internet, sendo até convidado
para um encontro com sua “parceira”, Peter serve
como cobaia de duas adolescentes que desejam
descobrir qual delas é capaz de oferecer, através do
sexo oral, mais prazer a um homem - especificamente
o solteirão que trabalha ao lado do protagonista na
loja de sapatos.
Todo o lirismo pungente da cineasta marca presença
em várias seqüências do filme, seja na caminhada do
casal principal desde a loja de sapatos até a
esquina ou na trajetória de um peixinho dourado
pelos tetos dos carros. A precisão e a suavidade de
Miranda July - talvez explicadas pelo seu trabalho
nas artes plásticas - dissolvem as passagens mais
pesadas em termos de visual e conteúdo. Richard, na
iminência da separação, queima a própria mão na
frente dos filhos. Num primeiro olhar, a cena pode
parecer um tanto forçada, contudo, explica bem a
posição do protagonista: ele é um homem literalmente
“queimado”. Sai de uma relação, não consegue
mergulhar tranqüilamente em outra e ainda vive na
expectativa de estreitar a proximidade com os
filhos. Os diálogos têm esse mesmo equilíbrio, vide
os momentos entre as duas meninas e o vendedor amigo
de Richard.
No que diz respeito à sexualidade e às relações
familiares e sociais, a obra apresenta crianças e
adolescentes praticamente com os mesmos dilemas dos
adultos. Um exemplo interessante talvez seja o
comportamento do pequeno Robby, cuja “maturidade” é
responsável pela maioria das passagens cômicas do
longa. Por fim, todos os riscos fazem sentido na
montagem e o resultado final não é de forma alguma
dissonante. A artista aceita a natureza humana em
seu cinema e reconstrói muito bem a simplicidade do
trivial. Desta forma, há demasiada franqueza nesse
relato realista carregado de tons subjetivos.
Título Original: Me and You and Everyone We
Know
Gênero: Drama
Duração: 91 min
Ano: 2005 (EUA)
Direção e Roteiro: Miranda July
Distribuição: IFC Films / Mais Filmes
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Cena do
Filme EU, VOCÊ E TODOS NÓS (Foto Divulgação)
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Crítica: Shirlei
Ximenes - Jornalista e Crítica de Cinema -
sximenes@gmail.com
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