ENTREVISTA COM O ESCRITOR CESAR SILVA

O Editor do Portal Cranik "Ademir Pascale"  entrevista o escritor, cartunista e jornalista Cesar Silva.
 (18/06/10)

CONHEÇA O LIVRO O DESEJO DE LILITH. CLIQUE AQUI

 

Cesar Silva - Foto Divulgação

ENTREVISTA:

Ademir Pascale: Agradeço por ceder a entrevista. Publicitário, designer, cartunista, editor, crítico e produtor gráfico. Como você consegue conciliar todas essas funções no seu dia a dia?

Cesar Silva: Eu é que agradeço a oportunidade que você está me proporcionado, Ademir.
Acontece que eu sou um cara curioso, quando me envolvo com as coisas quero saber tudo o que tiver a ver com o assunto. Então, essa diversificação de atitudes é natural para mim. Além do mais, tive um bom tempo para desenvolver cada uma dessas funções.
De qualquer forma, não faço tudo ao mesmo tempo e algumas delas caminham juntas. Profissionalmente, atuo como publicitário e produtor gráfico de uma revista cultural no ABC Paulista. Meus conhecimentos como designer, que é minha formação acadêmica, também entram em ação ali, embora tenhamos uma equipe na qual todos contribuem.
Como editor, atuo principalmente no meio alternativo, com fanzines e livros. Fui mais ativo nos anos 1980 e 1990, especialmente na Editora Ano-Luz, da qual fui sócio. Mas ainda publico, esporadicamente, um e outro volumes pelo meu selo Hiperespaço.
Como cartunista e quadrinhista tenho atuado pouquíssimo, mas já houve tempo em que produzi bastante e até trabalhei comercialmente com isso, publicando e dando aulas, e o nome Cerito, com o qual assino, é conhecido no meio. Mas nos últimos anos, confesso que não tenho trabalhado com isso.
Já como crítico, minha área é mesmo o Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica. Mas também escrevo para fanzines e revistas com alguma regularidade.

Ademir Pascale: Você publicou entre 1983 e 2004, um dos mais importantes fanzines brasileiros de FC&F, o Hiperespaço. Por favor, poderia contar para os nossos leitores como foi o início deste fanzine e o porquê de seu encerramento?

Cesar Silva: O Hiperespaço foi resultado do entusiasmo incontinente com que eu e um correspondente de Montes Claros, o José Carlos Neves, tínhamos com relação a ficção científica, especialmente os filmes da franquia Star Wars. Quando se aproximava o lançamento do terceiro longa, O retorno de jedi, a gente simplesmente tinha que fazer alguma coisa. O título “Hiperespaço” foi obviamente inspirado nos filmes de George Lucas e boa parte do conteúdo das primeiras edições era dedicada a saga.
Nos unimos com o meu amigo Mario Mastrotti, que fez os quadrinhos do Tripanosoma, personagem símbolo da publicação, e publicamos o primeiro número do fanzine. José Carlos era muito bem relacionado e fez um trabalho fantástico de divulgação, tudo pelo correio. Como não havia nada do gênero no país, o fanzine ganhou força rapidamente e influenciou muitos outros fãs a publicarem também, gerando um enorme intercâmbio. Mas o “Hiper” também falava de outros assuntos e outras artes, principalmente quadrinhos e literatura.
Cerca de dois anos depois, descobri o Boletim Antares, do Clube de FC Antares, de Porto Alegre, e percebi que um pouco de ficção original no Hiper cairia bem. Organizei e publiquei então uma edição especial de contos, o número 11 do Hiper, na qual o escritor Braulio Tavares, ganhador do Jabuti em 2009, estreou escrevendo ficção. Muita gente boa estreou no Hiper ao longo dos anos e essa é uma de minhas maiores alegrias.
Foram surgindo mais e mais fanzines, alguns eu considerava bem melhores que o Hiper, como por exemplo, o Somnium do Clube de Leitores de FC, e o Megalon, editado pelo jornalista Marcello Simão Branco. Quando o Neves passou uma temporada em Hong Kong e não pode mais me ajudar no fanzine, resolvi que era hora de parar de publicar. Planejei continuar o trabalho na base da colaboração com aqueles fanzines que eu julgava mais aptos a continuar a corrida. Isso foi em meados de 1988, logo depois que eu publiquei o número 20 do fanzine, que ganharia o Prêmio Nova naquele ano.
Fiquei sem editar o Hiper por cerca de cinco anos. Nesse tempo, um grupo de amigos do Rio de Janeiro lançou um fanzine muito divertido e me pediu licença para usar o mesmo nome. Acho que sairam umas seis ou sete edições, chamava-se Hiperespaço The Next Generation.
Contudo, algum tempo depois, percebi que nenhum dos fanzines então em atividade estava dando atenção às demais áreas da FC&F como o Hiper fazia, então voltei a publicar em 1993, continuando a numeração a partir do 21. O foco em cinema perdeu força e a maior parte do Hiper era ocupada por quadrinhos e literatura, mas também falava de modelismo, games, TV, enfim, tudo o que os outros fanzines não abordavam, sem esquecer que a fantasia e o terror também eram temas importantes, por isso eu gostava de usar a epígrafe, nunca contestada, “O mais completo fanzine brasileiro de arta fantástica”. Mantive o fanzine ativo até 2002, quando ele já estava parecendo com um livro. A edição final foi, de fato, uma antologia de contos chamada Vinte anos no hiperespaço, financiada por uma cooperativa de autores e publicada em 2003 pela Editora Virgo.
O Hiper estava muito caro e difícil de fazer. Então, desmembrei o fanzine em várias propostas independentes. A Coleção Fantástica absorveu a ficção, com a vantagem de poder publicar novelas. A parte noticiosa e crítica, que era a mais lida do fanzine, continuou por algumas edições a mais na forma do boletim Notícias e Opinião. E a parte de quadrinhos eu migrei para um conjunto de iniciativas do meu amigo Mario Mastrotti, como as antologias de cartuns e a coleção Tiras de Letra.
Então, de fato, eu nunca parei de fazer o Hiperespaço. Mesmo a coluna “Notícias e Opinião” continua a existir no blogue Mensagens do Hiperespaço (mensagensdohiperespaco.blogspot.com) e no próprio Anuário. A maior parte desse material ainda está disponível e quem quiser pode consultar comigo.

   
Outras Copas, Outros Mundos e Dinossauria Tropicalia

Ademir Pascale: Na sua opinião, com o crescimento da inclusão digital em nosso país, como você enxerga essa nova onda de e-zines?

Cesar Silva: Acompanho a atividade dos fãs de FC&F desde 1983. Na maior parte do tempo não houve a internet como ferramenta e isso não impediu que uma série de iniciativas de qualidade emergissem, pelo contrário, foram intensas.
Quando a internet começou a despontar, muita gente abandonou as atividades ‘reais’ para atuar unicamente via eletrônica. Acreditavam que era uma espécie de eldorado, onde tudo ia finalmente acontecer.
Um bocado de iniciativas interessantes que migraram para a internet não prosperaram, porque a dinâmica era outra, desconhecida, ninguém sabia como acertar a mão. Além do mais, o público não era o mesmo na internet. Havia novos fãs, é claro, que não conheciam o que existia antes e tinham outra visão, outras perspectivas, outras necessidades. Foi um grande choque para todos perceber que estavam lidando com um novo fandom, imprevisível e muito diferente. Esse período foi conturbado e pouco produtivo, com muitas iniciativas interessantes desaparecendo totalmente em poucos meses, como a Coleção SLEV, que chegou a dispor de um catálogo original de quase 50 títulos que sumiu sem deixar rastro.
Mas está acontecendo um novo movimento agora. Nos últimos anos, o livro em papel foi revalorizado e muito da produção do fandom voltou a ser publicado de forma real. Anacronicamente, nestes tempos cyberpunks, a longo prazo o livro em papel continua com a sobrevida maior que seus simulacros digitais, ainda que a visibilidade instantânea possa não ser tão boa.
Mas a maior parte dos analistas não vê muito futuro para o papel. E podemos perceber que, no caso dos periódicos, esse refluxo para o papel que vimos nos livros não se manifestou mesmo, eles continuam sendo publicados principalmente na grande rede. Contudo, os fanzines e revistas virtuais insistem em emular o papel. É um fetiche. Há muita dificuldade em se aproveitar todo o potencial interativo do ambiente virtual, e um dos motivos é a limitação da própria linguagem que estamos acostumados a usar nas revistas reais. Ainda vemos as publicações virtuais como publicações postiças, substitutas temporárias das publicações reais que não podemos fazer no momento. Mas o fato é que, provavelmente, as revistas e fanzines nunca mais voltem ao formato real, em papel. Portanto, vale a pena aproveitar as ferramentas de som, movimento, interatividade e não-linearidade que a publicação virtual oferece. O único problema é que o que vai sair disso pode não ser muito parecido com as revistas como as conhecemos.

Eu acredito que o público está pronto para esse novo produto editorial. Mesmo quem só está se conectando agora, já sabe o que quer. E não quer ver revistas escaneadas. Quer a internet plena.

Ademir Pascale: Você é coautor, juntamente do Marcello Simão Branco, do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica. Como surgiu a ideia deste anuário e como estão os preparativos para a próxima edição?

Cesar Silva: O nosso Anuário apareceu pela primeira vez em 2005, mas houve um Anuário anterior, com duas edições publicadas nos anos 1980 por Roberto de Sousa Causo, que foi o nosso modelo inspirador.
O anuário do Causo era dividido em seções dedicadas à literatura, cinema, quadrinhos, TV etc, mas por motivos de espaço, decidimos focar unicamente a literatura.
Os primeiros ensaios do que viria a ser o Anuário começaram a surgir no fanzine Megalon, editado por Marcello. Eu produzia para ele uma coluna sobre arte fantástica na qual, uma vez por ano, fazia o levantamento dos títulos publicados. A lista começou a crescer e percebemos que ninguém estava documentando esse importante material de pesquisa.
Todo mundo reclamava que não se publicava FC&F no Brasil e nós desconfiávamos que isso não era verdade. Quando começamos a fazer a pesquisa metódica, para o primeiro Anuário, levamos um susto. Era muito mais do que esperávamos.
Desde então, o mercado tem demonstrado um crescimento constante. Pretendemos que o Anuário fique como o observador deste tempo, um registro que possa ser pesquisado por todos os que quiserem entender a FC&F brasileira.
Neste momento estamos no processo de revisão e pré-produção do Anuário 2009, que a partir deste ano não vai mais ter a seção de periódicos. Esperamos ter o volume pronto em algumas semanas.


Horror Show

Ademir Pascale: Como contista, você estreou na antologia Dinossauria tropicalia (GRD, 1994) e participou das antologias Outras copas outros mundos (Ano-Luz, 1998), Vinte voltas ao redor do Sol (CLFC, 2005) e Rumo à fantasia (Devir, 2009). Qual dessas antologias mais lhe marcou e por quê?

Cesar Silva: Todas elas são importante para mim, porque eu não sou um autor muito produtivo, escrevo raramente e sempre é muito difícil chegar ao resultado final. Cada conto tem um valor enorme para mim. Contudo, o meu trabalho de estréia teve um sabor especial. Na verdade, sequer é um conto, tem mais jeito de crônica, mas é todo ficção. “O dinossauro que nunca existiu” foi muito bem recebido, tanto que acabei sendo reconhecido, naquele ano, com o Prêmio GRD de melhor autor novo, na única vez que o prêmio foi apurado. Já na última antologia, Rumo à fantasia, saiu um conto meu de fantasia urbana, que antes só fora publicado num fanzine, há mais de 15 anos. Esse conto estava cotado para sair na extinta revista Quark, tinha até contrato assinado, mas a revista foi cancelada antes da publicação. Então eu fiquei muito feliz de vê-lo publicado assim, ao lado de grandes nomes da FC&F internacional.

Ademir Pascale: Voltando ao assunto dos fanzines e revistas digitais. Li em um dos seus artigos o seu comentário sobre futuramente surgir várias bandeiras. O nosso grupo de editores, escritores e entusiastas ainda é bem pequeno, ainda mais porque existem subgrupos. Na sua opinião, por que existe essa separação, tantas bandeiras e por que alguns tentam ser melhores que os outros se a finalidade do escritor é levar cultura, informação e entretenimento aos leitores? Será que um dia poderemos ser unidos e lutar em prol deste real objetivo?

Cesar Silva
: Não é uma questão de união. Cada autor e editor tem seus próprios critérios e objetivos, os interesses são muito diferentes de parte a parte e, dificilmente, mais que meia dúzia de indivíduos conseguiram concordar entre si na maior parte da história do fandom.
Não sei se posso concordar com você em que formamos um grupo pequeno, principalmente se levarmos em conta o tamanho diminuto do espaço editorial que todos estão disputando.
Além do mais, o grupo é muito heterogêneo, mistura veteranos e neófitos, acadêmicos e leigos, dedicados e oportunistas etc. O sucesso de um muitas vezes incomoda o outro, e não é raro que se formem verdadeiras batalhas nos bastidores. Porque ninguém quer ver o espaço que teve tanta dificuldade de desencavar sendo ocupado por outros.
Nunca foi diferente, já era assim no tempo em que todos os fãs de FC&F brasileiros cabiam numa Kombi. Hoje tem muito mais gente, mas no geral ainda é basicamente o mesmo, formado pelos próprios autores e editores, com pouquíssima gente de fora. Basta ver o tipo de audiência que se forma nas mesas de debates e conferências dos eventos de FC&F. São sempre pessoas conhecidas, do grupo.
Num ambiente assim, as diferenças de opinião sempre ganham relevos dramáticos.
Para ganhar algum destaque, as pessoas unem-se em grupos de influência, geralmente em torno de um determinado tema específico a título de identidade ou apenas para não soar muito bairrista. Nessa bolha de conforto, uns elogiam os outros, fazem resenhas mútuas favoráveis etc, e a coisa caminha numa grande ilusão. Como você deve saber, não é o melhor dos ambientes para o exercício da crítica.
Mas o que vale para mim é o resultado de longo prazo. E isso não pode ser previsto. O que eu acredito é que se houver dedicação e interesse na busca constante pela qualidade, o futuro será alvissareiro.

Ademir Pascale: Você mantem o blog Mensagens do Hiperespaço (mensagensdohiperespaco.blogspot.com). Fale mais sobre ele.

Cesar Silva: Resisti o quanto pude a iniciar um blogue. Todo mundo dizia que eu devia fazer um, porque conheciam meu trabalho no Notícias & Opinião. Só consegui segurar até abril de 2009, quando inaugurei o Mensagens do Hiperespaço como uma forma de retribuir de uma forma mais eficiente aos colegas que me mandam livros, gibis e fanzines. Muita coisa que eu recebo não tenho como comentar no Anuário. Através do blogue eu posso fazer divulgação, crítica, resenhas de gibis e de livros antigos etc. Tem sido legal, com um ano de existência o blogue já é bastante citado e tem uma boa visitação. Gostaria de ser mais organizado, postar todos os dias, mas é complicado porque tenho muitas atividades. Então, tento postar pelo menos a cada dois dias. Acho que se conseguir manter assim, está de bom tamanho.

Ademir Pascale
: Existem projetos em pauta?

Cesar Silva: O Anuário toma a maior parte do meu tempo, é difícil pensar em fazer mais coisas. Tenho o antigo projeto de montar uma coletânea de contos meus, devo ter perto de uma dúzia. Para completar o livro eu teria que escrever mais alguns, até tenho as histórias na cabeça, mas não arrumo tempo para escrever.
Além do mais, não sei bem o que faria com os livros uma vez publicados. Não sou um bom vendedor, e talvez isso acabasse se tornando um encalhe.
As vezes sou procurado para publicar alguma coisa pelo Hiperespaço, mas isso eu faço meio sem planejamento, decido na hora mesmo.
Outro projeto encalhado é o saite do Anuário. Desde que fizemos o primeiro, temos planos de montar um saite de resenhas, efemérides e as entrevistas na íntegra. As publicadas são editadas, geralmente sai no livro menos da metade da conversa. Mas ainda não temos previsão de quando o faremos.

Ademir Pascale: Como os leitores poderão saber mais sobre Cesar Silva?

Cesar Silva: Através do já citado blogue Mensagens do Hiperespaço, no twitter, em @ceritosilva, ou pelo e-mail ceritosilva@yahoo.com.br.

Perguntas Rápidas:

Um livro: Duna.
Um(a) autor(a): Philip K. Dick.
Um ator ou atriz: Steve McQueen.
Um filme: A dama da água.
Um dia especial: O domingo.
Um desejo: Ler e ver boas histórias.

Ademir Pascale: Deseja encerrar a entrevista com mais algum comentário?

Cesar Silva: Quero mais uma vez agradecer a oportunidade de conversar com os seus leitores e lembrar que o trabalho de crítica que desenvolvo nos meios em que tenho acesso não objetiva discutir a FC&F no Brasil de forma a construir uma consciência e uma memória que nos ajudem a encontrar sempre o melhor caminho a seguir.
Acho natural que os autores e editores se irritem com quem não compreendeu a sua obra como eles esperavam, mas se isso acontece é porque há falhas no processo de comunicação da obra, que merecem ser apuradas e corrigidas. Além do mais, aquele que torna público o seu trabalho deve estar pronto para receber as opiniões dos leitores - e os críticos são leitores também. É bom ter em mente que os leitores são muito mais exigentes que a maior parte dos críticos.
Quando ninguém fala nada, é a crítica mais avassaladora que pode haver. Se alguém perdeu seu tempo para ler um certo trabalho e escrever uma resenha a respeito dele, isso já demonstra por si, independente da opinião ali expressa, que o trabalho em questão tem algum valor. E tanto melhor será quando a opinião vier de alguém do qual você nunca ouviu falar. Isso é sinal que o trabalho está indo além de seu grupo de influência imediata, dentro do qual ninguém nunca irá dar uma opinião realmente isenta.
Mas, independente disso, importa que todos perseverem em seus projetos, que sejam sinceros e autênticos para com eles e para com seus públicos. Isso é o melhor ingrediente para o sucesso de longo prazo.

CLIQUE SOBRE A CAPA

Vinte anos no Hiperespaço - Cesar Silva (org.)

 

© Cranik

*Você poderá adicionar essa entrevista em seu site, desde que insira os devidos créditos: Editor e Administrador do http://www.cranik.com : Ademir Pascale - ademir@cranik.com
Entrevistado:  Cesar Silva.
E nos informar pelo e-mail: ademir@cranik.com  

Indique esta entrevista para um amigo! Clique Aqui      

 


© Cranik - 2003/2010