CRÍTICA - QUERÔ - É um dos filmes mais
emocionantes e contundentes que vi nos últimos anos.
Consegue fazer do olhar ofendido do pequeno Querô a
única chama de dignidade de seu protagonista. –
Carlos Reichenbach
Num domingo ensolarado em plena hora do almoço com o
centro da cidade bem movimentado – exatamente perto
do Largo do Arouche – um garoto de rua aos prantos,
berrava que queria suas borrachas de volta. Alegava
que os “homens do posto” haviam tomado dele. Uma
mulher chorava vendo a cena e talvez pela
incapacidade de poder fazer algo. Quando a policia
chegou, o menino só ficou mais assustado e os
guardas mantiveram o local em ordem, afastando o
menino do posto, com uma arma em punho.
Eu, um comum cidadão da metrópole, anestesiado por
tanta descrepância em relação ao(s) ser (es)
humano(s), passei reto.
Dei as costas á um indivíduo retratado na
contundente dramaturgia de Plínio Marcos.
Questionado sobre a importância de sua obra, o
dramaturgo havia afirmado que enquanto a situação
não mudasse, seus textos seriam importantes, mas
isso nem era culpa dele e sim do sistema que não
muda.
Querô, o filme de Carlos Cortez, trás a tona os
garotos que permanecem a solta nas ruas. Desprovidos
de oportunidades, filhos de uma miséria asfixiante,
e sem rumo numa metrópole massacrante.
Jerônimo (Maxwell Nascimento) é órfão, morador da
baixada santista, criado pela cafetina de sua mãe.
Rebelde, sem amigos e a mercê das tentações
mundanas, Querô – como é conhecido – acaba indo
parar na prisão. Eis o celeuma de todo o problema da
vida do protagonista. No meio de outros desvalidos
da sociedade, Querô é estuprado e obrigado a
conviver com uma sociedade que não aceita outra
moeda de troca senão a própria vida. Ou você joga o
mesmo jogo, ou está fora. Querô alterna estas duas
possibilidades, porém seu caminho é torto e
inevitável.
“Por que mãe, porque tu me pôs no mundo? Vivo de
favor, durmo de favor, como de esmola. Isso presta
mãe? Isso acaba com a gente. Deixa a gente ruim,
mãe.” A frase dita pelo protagonista na solitária é
de doer no peito. Nascimento traz para o personagem
solidão, ingenuidade e raiva com uma verossimilhança
que faz toda a diferença para a trama. Não sem
motivo a Globo já tratou de escalar o ator para sua
novela adolescente, Malhação.
Maria Luisa Mendonça – impagável como a mãe de Quero
– Ângela Leal, Ailton Graça – com uma comicidade que
lembra o trapalhão Mussum – Eduardo Chagas, Claudia
Juliana, Milhem Cortaz, Eliseu Paranhos e Igor
Maxiliano. Completa o elenco de um filme intenso,
provocador e triste.
Outra cena que torna o expectador, cúmplice de Querô
é a descoberta do amor. “Eu gosto quando tu me chama
de Jerônimo, eu pareço outro cara”. Ao se deparar
com o amor na figura de Lica, o menino desprovido de
afeto, vê na jovem adolescente uma acolhedora chama,
que rapidamente é apagada. Impossibilitado de ser o
“Jerônimo da Lica”, Querô desiste.
É tão pertinente um filme como Querô, que tentar
justificá-lo é algo redundante. Simplesmente veja.