CRÍTICA - O VIGARISTA DO ANO:
“O Vigarista do Ano”,
novo filme de Lasse Hallström, é uma prova de que às
vezes a realidade é muito mais interessante que
qualquer roteiro de cinema. A história de como o
escritor Clifford Irving, quase enganou toda uma
nação é tão absurda e bizarra, que mesmo os
“baseados em uma história real” são facilmente
colocados à prova quando as luzes se ascendem.
A verdade é que no começo dos anos 70s, Clifford
Irving, um escritor mediano norte americano, povoou
as manchetes dos jornais dos Estados Unidos duas
vezes. A primeira, quando ele conseguiu um contrato
prévio milionário para escrever a biografia do
bilionário recluso Howard Hughes (para quem não
sabe, aquele mesmo retratado em “O Aviador”),
autorizada pelo próprio, a segunda, quando a revista
Time (uma das maiores do EUA) na sua edição de 21 de
fevereiro de 1972 estampou sua capa com uma imagem
do escritor junto da manchete “CON MAN OF THE YEAR”
(algo como “O Vigarista do Ano” do título do filme
em português), quando toda falcatrua ao redor da
fraudulenta biografia foi desmascarada.
Adaptado do livro de 1981, escrito pelo próprio
Clifford Irving contando a história do ocorrido, o
filme, que traz Richard Gere na pele do mesmo, não é
uma tentativa de glamourizar a história, e muito
menos o personagem, ainda que com o roteiro, escrito
por Willian Wheeler, em certo momento até tentando
criar um personagem um pouco psicologicamente
perturbado, com devaneios e ilusões, para
“despilantrá-lo” um pouco, na maior parte do tempo
se preocupa em apenas contar a história, que por si
só já é interessantíssima.
Wheeler faz um ótimo trabalho, te faz comprar a
história e acreditar em cada virada dela, não cai na
armadilha de deixar buracos no roteiro, usa muito
bem o que tem em mãos e não tira nenhum coelho da
cartola, sempre com o cuidado de apresentar os
assuntos antes de explorá-los. A reação de Duck
Suskind (Alfred Molina) ao saber que traiu a esposa
não deixa a impressão de exagero, pois ela (a
esposa) é citada diversas vezes pelo próprio, sempre
demonstrando a estabilidade da relação, assim como o
caso extraconjugal do próprio Irving que no final
das contas é muito mais importante do que parece. O
roteirista joga as pistas, para mais tarde
recolhê-las e criar um roteiro conciso.
O roteiro ainda explora otimamente o fato de que uma
mentira repetida em exaustão pode virar uma verdade,
e assim possibilita ao diretor Lasse Hallström
mostrar o desgaste psicológico do personagem
principal, em como, em certo momento da história,
ele está tão cercado de mentiras que quase não vê
possibilidade de escapar do inevitável.
Hallström, que está cada vez mais longe de seu lado
melodramático (“Chocolat”, “Gilbert Grape”,
“Chegadas e Partidas”), continua sabendo contar uma
história de um jeito leve, sem querer se impor
diante da história, note como, mesmo criando belas
imagens, a câmera sempre procura os personagens na
cena, algo que ajuda já que o filme se dá diante das
ações dos protagonistas sobre o meio, repleto de
diálogos.
Junto da montagem de Andrew Mondshein (“Sexto
Sentido”), o diretor ainda impõe um ritmo único para
o filme, revezando entre uma edição rápida e
picotada, com imagens chapadas e closes para mostrar
a euforia das situações, ao mesmo tempo em que
pontuam toda frustração com uma imagem que fica mais
tempo na tela, em ângulos afastados dos personagens,
como no começo do filme em que todo castelo de
cartas de Irving é destruído quando seu livro é
recusado pela editora.
Mas provavelmente, “O Vigarista do Ano” não
funcionaria sem uma grande dupla de protagonistas, e
Richard Gere e Alfred Molina fazem esse papel
perfeitamente. O ótimo Molina, no papel do fiel
escudeiro do escritor, faz um ótimo trabalho, com
certeza se destacando mais uma vez em sua
consistente carreira, já o inconstante Gere, que de
uns tempos para cá tem só acertado, faz novamente a
melhor atuação de sua vida (substituindo o musical
“Chicago” nesse quesito). Além de atuarem com uma
naturalidade incrível, a dupla deixa a história mais
crível, sabendo muito bem usar o humor leve do
roteiro, Gere ainda se mostra no controle total do
personagem, sempre com um tom cínico e cheio de
frieza, parecendo construir uma personalidade
através dos olhos, sempre com uma profundidade
incrível.
Mesmo não sendo um filme memorável em nenhum
sentido, talvez Gere seja que mais chegue perto
disso, “O Vigarista do Ano” já desponta como uma das
melhores produções do ano, conseguindo acertar na
mosca no que se propõe a fazer: um filme divertido,
sobre uma história impressionante que não teria como
não ganhar as salas de cinema.
Ficha Técnica Filme: O VIGARISTA DO ANO (THE HOAX, Estados Unidos
da América - 2006).
Diretor (es): Lasse Hallstrom
Distribuidor (es): Activity Filmes do Brasil Ltda.
Gênero: Drama/Comédia
Classificação: Não recomendada para menores de 12
(doze) anos (Longa Metragem)
Inadequações: Consumo de Drogas Lícitas e Linguagem
Depreciativa