RESENHA CRÍTICA DO FILME
"BATISMO DE SANGUE"
por Luis Pires -
Jornalista e Crítico de Cinema
e-mail:
lpires@uol.com.br
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BATISMO DE SANGUE - FOTO DIVULGAÇÃO
BATISMO DE SANGUE
BATISMO DE SANGUE: No dia 31 de março de 1964, os
militares chegaram ao poder no Brasil através de um
golpe de estado, implantando uma ditadura que durou
até 1985 e colocou fim ao mandato do presidente João
Goulart (Jango), que por sua vez havia assumido o
cargo após a renúncia de Jânio Quadros, ambos
eleitos democraticamente em 1960.
Em 1968, o então presidente Arthur da Costa e Silva
promulgou o Ato Institucional número 5 (AI-5) que
cassou mandatos de deputados, senadores, prefeitos e
governadores, fechou o Congresso Nacional por tempo
indeterminado e proibiu reuniões e manifestações
públicas, entre outros abusos contra os direitos
democráticos dos cidadãos brasileiros.
Inconformados com essa situação, grupos de esquerda,
que haviam sido levados à clandestinidade, partiram
para o confronto e implantaram no país um movimento
guerrilheiro que tinha como objetivo derrubar os
militares do poder. Em contrapartida, o regime
endureceu ainda mais a perseguição aos opositores,
mergulhando o país num período de trevas, no qual
milhares de brasileiros foram presos e torturados
até a morte, enquanto outras centenas desapareceram.
Batismo de Sangue é baseado no livro de memórias
homônimo escrito por Frei Betto, que ganhou em 1985
o Jabuti, principal prêmio literário do Brasil, e
conta a história de Frei Tito e o envolvimento de
frades dominicanos com o líder revolucionário Carlos
Marighella, executado a tiros pelo truculento
delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos cabeças das
forças de repressão.
Juntamente com seus colegas de seminário, Tito foi
preso e barbaramente torturado. Mesmo depois de
libertado e enviado para o Chile como parte de um
grupo de presos políticos trocados pelo embaixador
suíço Giovani Bucher, Tito jamais conseguiu se
livrar dos fantasmas de seus torturadores e, anos
depois, vivendo num convento na França, decidiu pôr
fim ao seu martírio cometendo suicídio por
enforcamento.
Caio Blat, que interpretou Frei Tito
- Foto: Luís Pires
O filme tem muitos pontos que merecerem destaque. Um
deles é a segura direção de Helvécio Ratton (o mesmo
de O Menino Maluquinho e Uma Onda no Ar), que viveu
esse período da história e participou ativamente da
luta contra a repressão, sendo inclusive obrigado a
se exilar no Chile. Ele decidiu filmar Batismo de
Sangue com alto grau de realismo, para mostrar toda
a intensidade dramática e física daqueles
acontecimentos. Diferentemente de outros filmes
sobre o período, o diretor quis que as cenas de
tortura não fossem apenas ilustrativas, mas sim que
fizessem parte da estrutura dramática da história.
As cenas são fortes, chocantes. Incomodam e nos
fazem refletir sobre a baixeza do ser humano, que
pode chegar ao ponto de encher um semelhante de
pancadas para obter informações que possam mudar o
rumo da história.
A fotografia, a cargo de Lauro Escorel, é outro dos
pontos positivos. O filme se inicia com cores
fortes, que vão sumindo à medida que as sombras se
impõem, chegando quase ao preto-e-branco no ápice do
sofrimento dos frades, prevalecendo apenas o
vermelho, simbolizando o sangue. Então as cores
voltam gradualmente à medida que a vida deles
recobra a “normalidade” dentro das prisões.
A escolha do elenco também foi perfeita. O diretor
queria que os intérpretes estivessem na mesma faixa
etária na qual os frades se encontravam quando foram
presos. Para isso convidou Caio Blat, Daniel de
Oliveira, Léo Quintão e Odilon Esteves para os
papéis dos freis Tito, Betto, Fernando e Ivo,
respectivamente. Resolvida essa questão, faltava
decidir quem viveria outros dois importantes
personagens da trama: o delegado Fleury e o líder
Marighella. Por sugestão da atriz Patrícia Pillar,
de quem é amigo, Ratton convidou Cássio Gabus Mendes
para encarnar o “papa”, como Fleury era conhecido
entre seus subordinados. E para o papel de
Marighella a surpreendente escolha recaiu sobre o
músico mineiro Marku Ribas. É impressionante a
semelhança física dos dois com os verdadeiros
personagens.
Resta ainda destacar a brilhante reconstituição de
época a cargo de Adrian Cooper (direção de arte),
Marjorie Gueller e Joana Porto (figurinistas). As
cenas originalmente ambientadas em São Paulo foram
transferidas para Belo Horizonte, onde a produção
recriou a Alameda Casa Branca, na qual Marighella
foi executado. Os corredores e salas da USP onde os
frades estudavam ganharam vida num prédio abandonado
no qual funcionava a antiga Faculdade de Farmácia e
o DOPS foi recriado em estúdio na cidade de Sabará,
próxima a BH. Todos os sobreviventes envolvidos na
trama ficaram impressionados com a semelhança com os
locais originais. A equipe só saiu de Minas Gerais
para filmar a cena das prisões do frades no Rio de
Janeiro e algumas externas na França, no convento no
qual Tito cometeu o suicídio.
Com todos esses predicados, Batismo de Sangue se
tornou um filme obrigatório para aqueles que
pretendem conhecer um pouco sobre este sombrio
período de nossa história recente. Se vivemos hoje
numa democracia, muito devemos a esses jovens
idealistas que não tiveram medo de enfrentar seus
opressores e lutar pela liberdade. Existem falhas no
atual processo democrático, é evidente, mas que
todos, principalmente as gerações mais jovens,
tenham sempre em mente que a pior das democracias é
preferível à melhor das ditaduras.
FICHA TÉCNICA
Batismo de Sangue (2006 – Brasil – 110 min)
Direção e Produção: Helvécio Ratton
Roteiro: Helvécio Ratton e Dani Patarra
Fotografia e Câmera: Lauro Escorel
Direção de Arte: Adrian Cooper
Figurino: Marjorie Gueller e Joana Porto
Música: Marco Antônio Guimarães
Distribuição: Downtown Filmes
Site Oficial: www.batismodesangue.com.br
Elenco: Caio Blat, Daniel de Oliveira, Léo Quintão,
Odilon Esteves, Ângelo Antônio, Cássio Gabus Mendes,
Marku Ribas.
Cássio Gabus Mendes (Fleury) e Caio Blat (Frei
Tito): torturador e torturado
Foto: Luis Píres
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Crítico: Luis Pires - Jornalista e Crítico de Cinema -
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