A estética da violência em Cidade
de Deus
CRÍTICA: CIDADE DE DEUS - O filme “Cidade de
Deus” (2002), adaptado do livro homônimo do escritor
Paulo Lins e dirigido por Fernando Meirelles, pode
ser considerado como um dos representantes mais
sensíveis da estética pós-modernista amparada pela
fusão de estilos e linguagens diferenciadas. Apesar
de recorrer a padrões clássicos de narrativa, nos
quais há o envolvimento característico e intenso do
espectador com a trama, a obra também apresenta
elementos próprios de um cinema de vanguarda, tais
como a fragmentação temporal e a montagem criativa.
Além disso, “Cidade de Deus” ainda recorre ao uso de
flashbacks, fusões, narrativas paralelas, tomadas
com enquadramentos inusitados e subjetivos, entre
outros elementos que reforçam suas bases
contemporâneas de visualidade.
Antes de partir para uma análise específica de
alguns aspectos da obra de Meirelles, cabe a
elaboração de um pequeno esboço sobre as duas
principais tramas do filme: em primeiro lugar,
“Cidade de Deus” conta a trajetória de Dadinho
(Douglas Silva), um pequeno e sanguinário bandido da
favela que, após receber o nome de Zé Pequeno
(Leandro Firmino da Hora) em um terreiro de
candomblé, se envolve plenamente com o tráfico e a
violência. Paralelamente à vida do primeiro
personagem, o filme também mostra o percurso de
Busca-Pé (Alexandre Rodrigues), um colega de
infância de Dadinho que prefere seguir sua vida sem
o envolvimento efetivo com o crime.
Em termos estilísticos, “Cidade de Deus” já começa
com cenas de impacto. O público acompanha,
rapidamente, toda a trajetória de uma galinha que
escapa da degola, estrutura que ganha ritmo por meio
de cortes rápidos e do uso da câmera na mão. A
seqüência seguinte funciona como um ponto de partida
para toda a história: através de um giro da câmera
para um lado e outro feito a partir do personagem
Busca-Pé, apresenta-se uma gangue de jovens e
crianças com armas nas mãos em oposição a um grupo
de policiais, imagem semelhante às clássicas cenas
de duelo em filmes de western. Nesse momento, há um
recuo da trama para os anos 60 a fim de explicar
como surgiu aquele conjunto habitacional da zona
oeste carioca (a verdadeira Cidade de Deus) e o
desenvolvimento da criminalidade na região enquanto
os personagens ainda eram crianças.
Desta forma, como bem explica Luiz Zanin Oricchio em
seu livro “Cinema de Novo: Um Balanço Crítico da
Retomada”, “Cidade de Deus” realiza uma espécie de
circularidade da narrativa, sendo que a mesma apenas
é esclarecida quando retoma à sua condição inicial.
Esse estilo de configuração temporal em círculo pode
ser observado em vários outros momentos da fita
como, por exemplo, para explicar a ocasião em que o
marginal Zé Pequeno toma posse de uma boca de fumo
inimiga, evocando toda a história do local. Segundo
o autor, esse seria um formato próximo ao
videoclipe, um produto audiovisual televisivo que,
devido à rápida fusão de imagens, não deixa espaço
para dispersões. Contudo, o diretor Fernando
Meirelles em entrevista à Revista Bravo (setembro de
2002), coloca essa estrutura utilizada no
longa-metragem como uma solução de linguagem
encontrada para não quebrar, através de cortes
súbitos, os estados de tensão dos espectadores. Para
Meirelles, não se trata apenas de uma estética
publicitária ou videoclipesca e sim de um recurso
narrativo.
Além disso, o filme ainda faz uso de frases com
caracteres inseridos sobre a imagem (legendas) a fim
de realçar o entendimento de contextos específicos e
permite momentos de duplicação da tela, mostrando
acontecimentos paralelos de maneira simultânea. O
som complementa o visual e reforça a carga dramática
do filme. Nesse contexto, um belo exemplo é a cena
em que Cabeleira (Jonathan Haagensen) é morto pela
polícia enquanto, ao fundo, ouve-se uma música de
Cartola.
“Cidade de Deus” mostra a violência de dentro para
fora, como um mecanismo gerado pelas próprias
engrenagens. Mesmo sem contextualizar os problemas
sociais ou sugerir soluções, torna-se um filme
necessário ao expor a maneira como a falta de
perspectivas e a ausência do poder público formam
verdadeiros exércitos de jovens e crianças que
manipulam armamentos pesados e matam com uma frieza
desconcertante, sempre em prol do comércio de
drogas. Nesse caso, semelhanças com as obras “Rio,
40 Graus” (1955), de Nelson Pereira dos Santos ou
“Pixote, a Lei do Mais Fraco” (1980), de Hector
Babenco, não são meras coincidências. Entretanto, a
temática da exclusão recebe contornos mais pesados
no filme de Meirelles. Convertidas em espetáculo, as
imagens seduzem e embrutecem o público que, ao final
da fita, também não consegue encontrar uma saída
para tal dinâmica da sociedade.
Fruto das experimentações feitas no curta-metragem
“Palace II”, de Meirelles com Kátia Lund, “Cidade de
Deus” fez boa carreira no exterior e obteve grande
aceitação pública no Brasil, levando cerca de 3,2
milhões de pessoas aos cinemas. O sucesso do filme
contribuiu para a criação, em 2003, de uma série
televisiva intitulada “Cidade dos Homens”, uma
parceria entre a produtora O2 e a Rede Globo. Além
de trabalhar com o mesmo tema presente nas obras
audiovisuais anteriores, o subproduto televisivo
contou ainda com a presença dos atores do
longa-metragem. O elenco, outro trunfo de “Cidade de
Deus”, foi composto, em sua maioria, por atores
desconhecidos oriundos de escolas de atuação
presentes em comunidades carentes. Esses últimos,
sem dúvida, encontraram na mídia eletrônica uma
maneira de dar seguimento às suas carreiras
artísticas.
Gênero: Drama
Duração: 135 min
Ano: 2002
Direção: Fernando Meirelles
Roteiro: Bráulio Mantovani (baseado no livro de
Paulo Lins)
Distribuição: Lumière / Miramax Films (filme)
Imagem Filmes (dvd)
Cena do
Filme CIDADE DE DEUS (Foto Divulgação)
Filme:
Ótimo:
Bom:
Regular:
Crítica: Shirlei
Ximenes - Jornalista e Crítica de Cinema -
sximenes@gmail.com
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