A FORÇA DOS DOCUMENTÁRIOS
por Rodolfo Lima -
Jornalista, ator e crítico de cinema -
e-mail:
dicaspravaler@yahoo.com.br
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A FORÇA DOS DOCUMENTÁRIOS
- (Foto Divulgação)
Documentários estão
ganhando relevância no cenário cinematográfico
brasileiro, talvez em virtude de não escamotear a
realidade e sim procurar retratá-la de forma mais
verossímil possível.
No Festival de Cinema da Diversidade Sexual, da
cidade de Fortaleza (CE), intitulado II For Raibow,
o fato de dois documentários terem dividido o prêmio
de melhor direção, deu margem para debates paralelos
sobre o fato de cineastas que dirigem documentários
não necessitarem de muito esforço. Simplesmente
ligam a câmera e registra o seu personagem de forma
direta, quase sem cortes e/ou simulacros que
camuflem uma emoção mais genuína.
Uma das questões levantadas - entre alguns
jornalistas presentes - foi o fato de não existir o
gênero documentário, já que a partir do momento que
o diretor liga a câmera seu entrevistado
automaticamente encena a própria realidade. Ou seja,
a câmera tira a naturalidade do individuo.
Não (sei se) concordo com tal afirmativa. Se
partirmos deste principio tudo é representação, nada
é realidade. Ok! Podemos viver num mundo
representado de acordo com as conveniências de cada
um. Mas como explicar a característica tão genuína
de tais entrevistados, que parecem não se intimidar
com a câmera vasculhando as nuance do seu rosto,
enquanto relata parte de sua vida?
Os premiados em questão são da Paraíba e como se
trata de um festival de cinema sobre as possíveis
sexualidades, tanto “Amanda e Monick” (08), de André
da Costa Pinto e “Homens” (08), de Lucia Claus e
Bertrand Lira, traziam a cena travestis do interior
da Paraíba e do Ceará.
Personagens singulares dos locais onde vivem, os
homens retratados na tela trazem a tona uma espécie
de cinema verdade. Ao narrarem suas histórias e
imprimirem segurança, emoção, conflito, aliam dores
com romantismo e ressaltam para o outro (no caso o
telespectador) o que há de mais interessante e/ou
importa.
Isso que dizer que editamos constantemente nossa
vida, cerceando emoções e rastreando sentimentos que
nos revele (?). O grande trunfo do documentarista é
achar o personagem certo para seu filme. Este
“certo” tem que estar laureado de uma
particularidade única, irreprodutível.
Neste caso, o filme sobre Amanda e Monick, travestis
de Barra Mansa – cidade paraibana com cerca de seis
mil habitantes – é o melhor exemplo. Amanda é uma
travesti, professora de uma escola pública que conta
com o apoio dos pais dos alunos e do próprio pai
biológico, subvertendo questões referentes à
educação tanto familiar quanto escolar, e porque não
sexual.
André editou seu filme para ressaltar
idiossincrasias, como se fosse impossível filmar
ficcionalmente a verdade, ele a defende. Simples e
eficiente, o diretor soube aliar realidades
similares que se complementam dentro da sala de
aula. Monick é uma travesti que se prostitui, é
aluna de Amanda e mantém um relacionamento com um
transexual – mulher biologicamente, homem
visualmente – a ponto de engravidar seu/sua
companheiro/a. Quer mais subversão que está?
Em 20 minutos, o curta “Homens” trouxe a tona homens
travestidos e ou femininos narrando suas frustrações
amorosas e suas dores. Aliando perfis de homens
depressivos, esperançosos, responsáveis e
engraçados. Homens subjugados por uma sociedade
heterocêntrica, incapaz de olhar para outras pessoas
que assumem seus desejos sexuais e lutam contra o
status quo.
Lira e Lucia, floream a realidade com poses e
pequenos registros de situações dos seus
entrevistados para que assim possamos questionar o
que vem a ser realidade e o que vem a ser ficção. Já
no que universo homoerótico, ambos se camuflam com
mais veemência, dado o fato da necessidade de alguns
homens, ressaltarem em si mesmo características
femininas, subvertendo gêneros.
Outro dois documentários que chamaram atenção foram
“Bombadeira”(07), de Luís Carlos Alencar e
“Singularidades”(06), filmado pelo projeto Olho
Vivo. No primeiro a lente de aumento recai sobre o
trabalho das travestis que ganham a vida como
bombadeira, as responsáveis por injetarem silicone
em outras travestis. Ao mostrar o depoimento sincero
e emocionado do parceiro de uma travesti, me
pergunto: será possível criar um roteiro tão genial,
que “ponha” na boca de tal entrevistado sentimento
tão pungente e crível?
Sabemos que existem excelentes roteiristas, mas nada
como a realidade para nos tirar o fôlego e nos
embargar a garganta. Saber que tal “personagem” anda
por ai. È um dos nossos, potencializa nossas
singularidades. Somos todos personagens de si mesmo.
Em “Singularidades”, um dos entrevistados é Pedrinho
de 51 anos, pedreiro de dia, que anseia por voltar
para casa, seu quarto cor-de-rosa, vestir sua
camisola e dormir. Afirmar ser incapaz de dormir sem
suas sedas, seus vestidos e similares. Não se sabe
se Pedrinho viu “Minha Vida em Cor de Rosa” (97), o
excelente filme de Alain Berliner. Tanto para
Pedrinho, quanto para Ludovic – o protagonista do
filme que não se encontra nas convenções do
masculino – criarem seus universos cor-de-rosa soa
como uma luta solitária em favor de si próprio.
“Quem é você na noite” (07) de Marcelo Ramos, sobre
a noite gay paulistana, “Sexualidades e Crimes de
Ódio” (08) de Vagner de Almeida, sobre os
assassinatos de homossexuais no Rio de Janeiro e
“Cinema em 7 cores”(08) de Rafaela Dias, presentes
na Mostra competitiva, revelavam as infinitas
possibilidades do documentário.
Sejam pelo caráter sociológico, do filme de Ramos,
pela denúncia desenfreada de Almeida, ou pelo
registro histórico e colaborativo para se entender
as personagens homossexuais no cinema brasileiro do
filme de Rafaela. O documentário está se fazendo
cada vez mais presente e pertinente nos cinemas.
Esta dualidade entre realidade e ficção foi
contundentemente contestada e questionada por
Eduardo Coutinho em “Jogos de Cena”, como os filmes
citados se tratam de curtas, portanto de difícil
acesso para o grande público, o filme de Coutinho é
um bom começo para você formar uma opinião sobre a
importância dos documentaristas.
Crítico: Rodolfo Lima
- Jornalista, ator e crítico de cinema - e-mail:
dicaspravaler@yahoo.com.br
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